sábado, 14 de julho de 2007

Carta Aberta ao Mestre Vanderley Cason de Melo, o Canarinho



Caríssimo "Seu Cason":

Antes de qualquer outra coisa: passei esses últimos tempos lembrando-me de você. E tenho que te dizer: estou indignado. Não, não me refiro, a algum dinheiro, ou promessa, que eu possa ter ficado te devendo. Nem tão pouco, faço referência a algum assunto enxadrístico especificamente. O que quero dizer, que está me deixou profundamente indignado, é que não contestou minha última carta. E espero que não tente utilizar a velha desculpa de que não está mais aqui. Ambos sabemos, que entre “los artistas del tablero”, essas coisas não tem muita importância.
Vide aquela velha história de Tal, lembra-se?!

Certa vez (bem no auge deste campeão russo) começou a circular uma história de que ele tinha morrido. Entretanto, a dúvida logo se desfez, pois Tal apareceu em Moscou para jogar o Campeonato Russo. E lá, soltou a seguinte máxima: “Os boatos sobre a minha morte foram um pouco exagerados...”. Sem esquecer que neste mesmo torneio, nas primeiras rodadas, depois de um dos seus típicos sacrifícios, um dos mestres locais exclamou: “Nada mal para um morto!”.

E temos também a história daquele mestre maluco, o Bent Larsen. Que era visto pelos corredores dos torneios divagando ”Profesor, aunque continua muerto?”. Supostamente era para seu falecido professor Max Euwe...

Mas como estava te dizendo, antes de perder o fio da meada, estou terrivelmente indignado por causa deste teu silêncio em relações as minhas cartas. Minha última missiva foi terrivelmente boa, várias páginas de puro humor e poesia, bem ao gosto do velho estilo... Por Deus! Ainda que eu não tenha nunca te enviado uma carta (ou vamos ser mais modernos, mesmo um e-mail), isso não é motivo para não ter me respondido.

As coisas não mudaram muito depois que te retiraste. Ainda temos um grande contingente de garotos novíssimos, super decorebas, que temos que ficar tentando enrolar. Os mestres continuam nos batendo, mas seguimos firmes.

E o Gabriel vai muito bem, obrigado. Todos nós gostamos demais dele. Ainda que às vezes ele continue “jogando feito um idiota” está sempre beliscando as primeiras colocações. E eu tenho que confessar, se me permite dizer, pois confissões nesta altura do campeonato sempre tendem ao ridículo, mas ele é o meu maior ídolo no Xadrez Brasileiro. Como você me disse certa vez “La llama segue ardiendo!”.

Sabe, no fundo, até que eu e você nos parecemos. E não estou me referindo a aquela história dos Jogos Abertos de Botucatu, sobre coincidências e caminhos que se cruzam:

“- Hei, Matão! Aonde você vai?!
- Estou indo no orelhão.
- Há! Sei! Você está é indo pro bar!
- Não, não estou indo não!
- Eu estou, vamos?!”


Nem falo sobre as caipirinhas sem açúcar (nisso, realmente, não nos parecemos). O que quero dizer, é que ambos somos morenos e usamos óculos. E sobre os óculos, é importante lembrar, o uso deles principalmente quando a partida complica. Isso quase nos coloca como irmãos. Nós e mais “trocentos” malucos que passam suas tardes observando o envolvente dançar de pedras de madeira (plástico às vezes, é bem verdade). Mas se você acha que irmãos discutem muito, e se ser irmão é motivo para brigar, ou mesmo de deixarmos de nos falar, e isso é razão para não responder minhas cartas, então tire essa minha idéia estúpida da cabeça.

Mas o que não podemos evitar de verdade é nossa paixão pelo xadrez. Ou pelo menos o xadrez bem jogado (onde nem sempre éramos nós os protagonistas). “Mas o que importa o resultado se a idéia deu certo?” Contestou Petrosian, por esses dias, em uma partida que teve há pouco tempo com o Chigorin, aí pra esses lados...

E quem é o verdadeiro campeão mundial, hein? Será que um dia teremos o fim de tantas briguinhas? É realmente um grande dilema para todos nós. O xadrez não é mais o mesmo. O xadrez de hoje não é mais como era dantes... Sim, estamos velhos e tudo nos molesta. Inclusive as paixões...

Aliás, ainda que eu tenha te dito lá em cima que não estava fazendo “referência com algum assunto enxadrístico especificamente” ele se tornou o tema principal dessa carta faz tempo. E poderia ser diferente?!

Bem, em fim, velho amigo, não quero te roubar mais tempo. Preferiria roubar-te mais dinheiro.

Te adoro, velho malandro, esteja onde estiver:

Leonardo Vivaldo (Está bem, está bem: o Vivaldinho)